Último trimestre, hora de pensar no ano que vem. Organizações de todos os tamanhos e setores se debruçam sobre planos estratégicos ou, no linguajar das multi, sobre os Business Plans (BPs, para os íntimos).
Muito tempo, dinheiro e energia são canalizados para a tarefa. Executivos de grandes empresas dedicam meses ao projeto, enquanto as menores podem levar poucas semanas. Há casos em que uma mistura de frustração e esperança paira sob o processo.
Frustração pelo distanciamento (mais que justificável, é bom que se diga) entre o que se planejou no ano anterior e o que de fato foi executado, dando margem àquela sensação velada de perda de tempo na qual todos pensam, mas poucos confessam. Esperança que dessa vez tudo venha a ser diferente. “Afinal, estamos fazendo o que deve ser feito. Vamos acertar em cheio.” – eis o consolo dos insistentes. E assim começa tudo de novo.
As sessões finais de planejamento, quando o BP será apresentado e (espera-se) aprovado, são um show à parte. O desafio é vender o peixe, convencer os chefes que aquele projeto merece toda prioridade. Chove Power Point, não raramente geral feito às pressas pelos gerentes que – desesperados - precisam ter o que mostrar. De quebra, um teste adicional – a pressão sobre as apresentações. Ali, na frente de todo mundo, o pobre do gerente se vê à mercê dos deuses imortais, a diretoria. Homens feitos respiram aliviados ao menor esboço de sorriso do big boss.
Conta a lenda que Bill Gates, numa dessas reuniões, interrompeu uma apresentação e, antes de se retirar, lançou uma pérola a seu diretor de RH: “tem certeza que ainda pagamos por isso?”.
Manter a fama de mau pode ter seu charme, mas será que ataques de pelanca produzem algo além de tensão e um bando de yes-men?
Há várias armadilhas no caminho do planejamento. A mais comum atende por um nome técnico sofisticado: colocar a carroça na frente dos bois. Firmar compromissos, estabelecer metas, distribuir tarefas – tudo isso é fundamental. Mas é preciso ir além, é preciso coerência entre as decisões e os planos maiores da empresa. Parece óbvio, mas no corre-corre do dia-a-dia é fácil-fácil o deixa-deixa.
A idéia do alinhamento estratégico (é assim que os profissionais chamam a tal coerência) é tão simples quanto eficaz. O primeiro passo é resistir à tentação de, logo de cara, concentrar esforços em mudanças estruturais, por mais óbvias que possam parecer à larga experiência da sábia cúpula.
Por enquanto, nada de decidir sobre a troca do sistema, a revisão do controle de qualidade, os novos móveis, o projeto de diversificação, a entrada no novo mercado, a implantação da controladoria, o uniforme azul, a melhoria da comunicação interna, o lançamento de novos produtos, a campanha de vendas, o aumento dos preços, o corte do cafezinho e – ufa – tudo mais que a imaginação de executivos sob stress é capaz de gerar. Essas coisas são essenciais, é claro. Mas não se engane: são apenas bois. Isso mesmo. Bois.
Onde se esconde a carroça? Com freqüência, nos pen-drives de meia-dúzia de diretores, quando não na cabeça de apenas um. As razões por trás das medidas tomadas no planejamento nem sempre são explícitas ou mesmo conscientes. Certamente não parece inteligente publicar nos
2 jornais seus planos estratégicos. Mas deixar a média gerência sem saber aonde se quer chegar é como ter excelentes remadores seguindo na direção errada.
Ainda que as principais diretrizes sejam estabelecidas em petit comité, compartilhar as linhas gerais com o segundo escalão permite que seus planos estejam coerentes com o todo. Em outras palavras, que todos remem na mesma (e correta) direção.
Resumindo a metodologia consagrada por onze em cada dez grandes empresas:
Passo 1 - Foco no presente. Definindo o cenário atual: onde estamos e quem somos. Aqui se faz análise do ambiente interno: forças, fraquezas e habilidades são rapidamente revistas, já que costumam estar no sangue do pessoal. Também se disseca o ambiente externo: estrutura da indústria (o que dá dinheiro?) e posicionamento estratégico (como ganhar mais que os concorrentes?). Se levar mais que 10% do tempo total nessa fase, há algo errado.
Passo 2 - Foco no futuro. Estudando cenários futuros. Se nada fizermos, para onde iremos? Que tendências moldarão nosso negócio em 5, 10, 20 anos? Que “futuros” plausíveis nos esperam? Em qual deles gostaríamos de estar? Quais precisamos evitar? A análise prospectiva dá conta dessas questões. Nada que os principais dirigentes e algumas boas técnicas não dêem conta rapidamente. Não se espera prever o futuro, a não ser que você tenha uma casa de cartomantes. A idéia é reduzir as incertezas e, de brinde, criar uma linguagem comum sobre o futuro em sua organização.
Passo 3. Foco no meio do caminho. Desenhando estratégias: como vamos do cenário atual (1.) para o futuro desejado (2.)? Que postura adotar? Focar ou ampliar? Diversificar? Nível de preço? Que tipo de pessoal? Que postura adotar perante os concorrentes? E frente aos clientes? Que governança organizacional: conselho, diretoria, sucessão? Investimentos? Estrutura de capital? Projeção de orçamento? Atenção, esta fase merece cuidado. Abuse das ferramentas disponíveis, algumas mais que testadas, pois errar o caminho é correr o risco de chegar de forma muito competente ao porto errado. Ou colocar uma carroça muito pesada (ou muito leve) para os pobres bois puxarem.
Passo 4. Foco nos instrumentos. Definindo a estrutura: o que precisamos para executar a estratégia (3.). Agora, sim, é hora de deixar o povo fazer seu trabalho. Novo sistema? Salários? Recrutamento? Propaganda? Controle de qualidade? Plano financeiro? Novos telefones? Novos mercados? Novos produtos? Alterar a logo? Comprar novos uniformes? Alterar o organograma? Contratar? Demitir? Terceirizar? Programação financeira? Com perdão da metáfora, o objetivo é selecionar que bois utilizar em função de onde pretendemos levar nossa carroça.
Por esse método, as medidas a tomar no ano seguinte são conseqüências do processo de planejamento, jamais o processo em si. Como dizia mestre Mintzberg, estratégia é tudo, o resto são prendas domésticas.