sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
A Constituição foi escrita em uma época que ninguém via a saúde como negócio.
Uma das pontas menos avançadas nesse movimento de consolidação dos negócios de saúde é a dos hospitais. Trata-se também do elo que mais sofre a pressão do surgimento de fornecedores (fabricantes de equipamentos e laboratórios farmacêuticos, por exemplo) e de clientes (planos de saúde) cada vez maiores e mais poderosos. A origem de quase todos os hospitais brasileiros está em grupos religiosos ou médicos. O pensamento empresarial não fazia parte da receita de gestão. "A necessidade de profissionalização surgiu no início da década, com a maior pressão dos planos de saúde pela redução de custos", diz Henrique Salvador, presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados. Em resposta, os hospitais tiveram de passar por choques de gestão. A rede paulista São Luiz é um exemplo desse processo. Há três anos, as famílias controladoras afastaram-se da operação e deram lugar a um grupo de executivos. Eles levaram, por exemplo, o conceito de produção enxuta da Toyota para dentro do centro cirúrgico. Com isso, desde junho, os centros de ortopedia de duas unidades do São Luiz diminuíram o cancelamento de cirurgias em 25%. Para isso bastou adotar medidas simples, como telefonar aos pacientes no dia anterior à cirurgia para confirmar o comparecimento e checar antecipadamente se todo o material a ser utilizado na operação está à disposição no hospital.
Até aqui, a melhoria na gestão dos hospitais foi essencial para a sobrevivência e o crescimento, mas será preciso dar passos mais largos para mantê-los rentáveis no futuro. A pressão das operadoras de planos de saúde pela redução de custos continua implacável -- sobretudo depois que clientes como Amil e Medial passaram a ampliar a própria rede de hospitais e atender diretamente muitos de seus clientes. Não resta outra saída, portanto, senão o ganho de escala para negociar em melhores condições com as operadoras. Até agora, o grupo de hospitais que mais cresceu com aquisições no Brasil foi o carioca DOr. Desde 2005, a rede comprou nove empresas -- e sua receita dobrou, alcançando 822 milhões de reais. Existe, porém, um entrave para que casos como esse se repitam. A Constituição brasileira proíbe a participação de capital estrangeiro em hospitais, o que torna impossíveis as aberturas de capital e os aportes de diversos fundos de private equity. (A associação que representa os hospitais tem feito lobby para desengavetar um projeto de lei que altera as atuais regras.) Enquanto o capital estrangeiro fica fora do jogo, a Rede Vita, dona de quatro hospitais -- dois em Curitiba e dois em Volta Redonda --, negocia um acordo com um fundo nacional, que deve investir o suficiente para a compra de dez hospitais (o nome do investidor não é revelado). "Pensamos em abrir o capital no futuro", diz Edson dos Santos, presidente da Rede Vita. "Tenho certeza de que a lei vai mudar nos próximos anos. A Constituição foi escrita em uma época que ninguém via a saúde como negócio." E esse é um tempo que cada vez mais faz parte do passado.
Remédios e planos de saúde fazem a festa dos estrangeiros no Brasil
O ritmo de crescimento das operadoras só não é maior, segundo as empresas, devido às regras impostas pela ANS. Com uma longa lista de procedimentos obrigatórios, qualquer plano ambulatorial (o mais simples deles, que não inclui internação hospitalar) tem de oferecer tratamentos complexos, como quimioterapia e hemodiálise, o que obviamente reflete no preço e acaba por afastar potenciais clientes. Mais de 70% dos consumidores de planos de saúde estão, basicamente, em duas categorias -- os funcionários de empresas que recebem o plano como benefício e os profissionais que compram pacotes por meio de associações de classe. Os trabalhadores informais das classes C e D ainda estão, salvo raras exceções, fora desse mercado. "É como se as empresas de telefonia fossem obrigadas a oferecer planos de 500 minutos e aparelhos smartphone a todos os clientes", diz Iago Whately, analista da área de saúde da corretora Fator. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Medicina de Grupo, se fosse possível simplificar os pacotes, de modo a atender apenas a consultas e exames simples de laboratório, o preço da mensalidade poderia cair para 30 reais -- bem abaixo dos atuais 100 reais. A chance de mudança da atual regra da ANS, porém, é quase nula. "A segmentação pode valer para produtos de consumo, mas não para os planos de saúde", diz Fausto Pereira dos Santos, diretor-presidente da ANS. "Ninguém pode prever que nunca terá câncer e descartar esse tipo de cobertura."
Até que se tenha uma solução para essa queda de braço, as operadoras terão de encontrar outras formas de se aproximar de consumidores emergentes. A Bradesco Saúde, líder de mercado, passou a investir nas pequenas e médias empresas -- segmento em que cresceu 32% no primeiro semestre, ante 18% da empresa como um todo. Para chegar a um preço viável para funcionários de padarias e locadoras de vídeo, o Bradesco não pode mudar o tipo de assistência oferecida. A saída é restringir o alcance territorial da cobertura e a rede de hospitais credenciados. Medidas como essas resultam em planos que custam até metade dos mais baratos oferecidos a clientes tradicionais. Recentemente, a Bradesco Saúde fez mais um movimento que deve ampliar sua atuação nas classes C e D: comprou uma participação de 43% na OdontoPrev, maior operadora de planos odontológicos do país. Em razão da própria natureza do serviço, a empresa consegue oferecer planos que custam até 12 reais por mês, vendidos em canais como lojas das redes Magazine Luiza e Pernambucanas.
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