Não é verdade que o juiz não poderia reaver o veículo por este motivo. A ilegalidade é a apreensão. Considerar-se o contrário é expressão da escalada irresistível do Estado Policial a que estamos assistindo. A Lei Seca é produto explícito de corrupção legislativa. É resultado da ação de grupos que se apossaram de cargos parlamentares para produzir leis em favor de suas empresas, fornecedoras de certos produtos. Sugiro-lhe uma investigação jornalística sobre sua edição e os interessados na sua aprovação. Sugiro ainda uma apreciação sobre os negócios de seus editores. Não faltarão fornecedores de palms para as multas, bafômetros e outras quinquilharias para a atividade de controle, fiscalização e punição. Se duvidar, aparecerá até um apartamento na Ladeira dos Tabajaras, doado a um "laranja" que se saiu exemplarmente numa investigação sobre o esquema. Você escreveu que "aborrecido, não pensou duas vezes. Afinal ele é um ‘juiz’ e não um mortal como nós! Pegou as chaves do carrão, deu a partida e se mandou para dar continuidade ‘a noitada’." Todo mortal como nós deve ter igual comportamento. Somente nossa atuação contra o Estado Policial poderá detê-lo. A situação me lembra o episódio no qual o Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, igualmente meu conterrâneo de Carangola/MG, Victor Nunes Leal, foi interceptado pelos marinheiros que elegeram um companheiro não diplomado por aquele tribunal. O Ministro disse aos marinheiros, muitos dos quais hoje são meus amigos:"Ou estou preso e devo ser apresentado à Sala do Comando do Estado Maior ou estou livre e nada dever me impedir de locomoção." Inexistem três estados de liberdade. Somente dois: Ou se é preso e deve ser conduzido ao local determinado pela lei ou se é livre e se pode ir a todos os lugares. Não é verdade que em situação semelhante qualquer ser humano seria detido num piscar de olhos. Se o fosse a detenção seria ilegal. Na verdade, numa situação destas, no Estado do Rio de Janeiro e ante a Política de Extermínio do Governo do Estado e Choque de Ordem do Governo Municipal, qualquer "cidadão comum" seria morto. É lamentável que já estejamos nos acostumando à classificação dos cidadãos em comuns e especiais. Mas, lamentavelmente os órgãos de repressão, herdados dos Gorilas que assaltaram o poder em 1964, e se mantém impunes graças ao STF, hoje atiram e depois identificam o morto. Quando possível fingem socorro e em muitos casos atribuem à vítima posse de arma ou droga e lavram auto de resistência à prisão ou troca de tiros. Pedro Henrique não escapou. Apenas saiu de onde não deveria continuar, como qualquer cidadão deveria ter o mesmo direito de fazê-lo. O juiz não deu uma banana para a lei, e para o policial que cumpria honestamente o seu dever. Ele a cumpriu, exercitando o direito de ir e vir que a Constituição nos garante e reafirmou nosso direito de fazê-lo sempre, salvo quando não quisermos ir ou vir e prefiramos permanecer parados. Uma lei se constrói não pela sua publicação no Diário Oficial, mas pela sua efetividade ditada pela sua aplicação. O Juiz reafirmou a existência da lei em proveito de todos. Cumprir honestamente a lei não significa apenas não exigir suborno. Mas, também atender aos seus dispositivos, nos limites dos seus sentidos e alcances. Fora disto, o que vemos são os corruptores da lei e dos direitos dos cidadãos, ainda que alguns não nos exijam dinheiro ou não cometam explícitas extorsões. Engana-se o senhor e aqueles que pensam que a Lei Complementar 35 de 14 de março de 1979 protege os Juízes. Se os protegesse não teria sido editada no último dia de mandato do General-Presidente Ernesto Geisel.
Esta lei foi a que subtraiu o poder dos juízes de responsabilizar a ditadura, no momento da abertura e lhes tolheu a liberdade própria de membros de um poder. A lei tem sido tão benevolente com a violação das prerrogativas da magistratura que, decorridos 22 (vinte e dois) anos da Constituição de 1988, novo projeto de Lei Orgânica não foi encaminhado ao Congresso. Se os juízes começarem a ter medo. Todos deveremos ficar apavorados. A decisão do Juiz Brenno Mascarenhas que tem sido objeto de comentários por haver julgado improcedentes ações dos Garis contra o jornalistas Boris Casoy merece esclarecimento.
Aquela decisão se fundamenta no fato de que as expressões genéricas não propiciam ofensas individualizadas. Ofender uma categoria, como fez o jornalistas Boris Casoy, não implica a ofensa aos indivíduos que a compõem. Idêntico tem sido o entendimento sobre as omissões genéricas do Estado que sejam condições para danos a indivíduos. Se a omissão é genérica, nenhum indivíduo pode exigir reparação específica. E por isso, em questão de segurança pública, devida a todos, não temos podido responsabilizar o Estado quanto ela nos falta individualmente. O pior de Boris Casou não foi a sua ojeriza ao povo em seu programa de final de ano, mas a ojeriza belicosa ao povo durante os anos de chumbo, num grupo explosivo de extrema direita. Todo juiz deveria consultar-se com jornalistas sobre a necessária comunicação com a sociedade. Todo jornalista deveria consultar-se com juízes (democráticos) sobre os direitos decorrentes da cidadania. Convido-o para outra pizza, para a qual o senhor poderá trazer outros "coleguinhas" do jornalismo. Mas, somente gente comprometida exclusivamente com a notícia. De minha parte convidarei alguns juízes. Magistrados comprometidos com o Estado de Direito, com o regime republicano e com a democracia. Se for na minha casa, farei a pizza. Mas, tal encontro não poderá limitar-se à gastronomia. Afinal, questões tão relevantes para a sociedade não podem acabar em pizza. Estes esclarecimentos lhe deveriam estar sendo prestados pela associação corporativa dos juízes do Estado do Rio de Janeiro, que lamentavelmente não se dispõe a fazê-lo. Saudações democráticas e republicanas, João Batista Damasceno