domingo, 5 de junho de 2011
Festa das marocas
Enquanto aguarda o desfecho do caso Palocci, a classe política pratica o seu esporte preferido: mixiricos. O que fará a presidente Dilma Rousseff se for obrigada a tomar uma medida mais drástica? Uma hipótese que corre forte entre interlocutores de Dilma com trânsito no Palácio do Planalto é a possibilidade de fusão da Casa Civil com a Secretaria de Relações Institucionais, já que o ministro-chefe da pasta, Luiz Sérgio, não correspondeu às expectativas da presidente e é alvo de reclamações, principalmente dos partidos aliados.
Em caso de fusão, um dos nomes cotados para assumir a Casa Civil fortalecida é o atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo - será que ele vai aparecer em alguma falcatrua também? Ele leva a vantagem de ter boa relação com o ex-presidente Lula, fiador da permanência de Palocci. Afinal, foram nove anos no ministério nos dois governos passados. Bernardo tem também uma boa convivência com a bancada do PT e com os partidos da base aliada. Como foi líder na Comissão de Orçamento, Bernardo sabe que a liberação de emendas, que estão paradas (só saíram até agora R$ 700 milhões de restos a pagar de 2008 e 2009), soa como música e pode acalmar o Congresso.
Outro nome cogitado é o do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que já fez a coordenação política do governo. O problema é que o setor é a prioridade da presidente Dilma em seu governo. Sem contar que o PMDB iria com facas e dentes para tentar ficar com o ministério. Encontrar uma solução para a pasta de Comunicações é mais fácil. As ilações vêm de todo lado, como é prática corrente na classe política e na disputa por espaços no governo. O problema é combinar com quem tem a caneta na mão. E ninguém sabe o que Dilma fará.
Brasil rural: matar e desmatar
Nos últimos dias, cinco líderes rurais foram assassinados no Brasil. No Pará, mataram Herenilton Pereira dos Santos e o casal de ambientalistas Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro da Silva, do projeto agroextrativista Praialta-Piranheira.
Em Rondônia assassinaram Adelino Ramos, presidente do Movimento Camponeses Corumbiara. E em Eldorado dos Carajás, mataram Marcos Gomes da Silva.
O governo federal tomou providências para prender os mandantes e pistoleiros e convocou uma reunião ministerial de emergência para analisar a relação dos crimes com a recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do novo Código Florestal.
A ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, repassou às autoridades do Pará denúncias da Federação de Trabalhadores da Agricultura Familiar, que relatam 17 assassinatos ocorridos no estado nos últimos anos, sem que a polícia paraense tenha aberto inquérito.
“O Pará é o lugar de maior atuação dos grupos de extermínio hoje no Brasil” – declarou a ministra dos Direitos Humanos. “Há uma impunidade muito forte. E isso é incompatível com a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos.”
As quatro vítimas lideravam lutas contra a desmatamento da Amazônia, causando a ira de madeireiros e latifundiários. O projeto Praialta-Piranheira é modelo de assentamento sustentável de reforma agrária, adotado pelo Incra na Amazônia. Seu objetivo é assegurar o sustento de famílias de pequenos agricultores sem devastar a floresta.
Adelino Ramos, em Rondônia, liderava o projeto de assentamento agroflorestal. Os dois projetos, segundo o Ministério do Meio Ambiente, são obstáculos ao desmatamento (que transforma a floresta em pasto) e à extração ilegal de madeira na Amazônia.
O novo Código Florestal, tal como aprovado por deputados federais, deverá sofrer modificações no Senado e suas cláusulas mais nocivas serão, com certeza, vetadas pela presidente Dilma.
Ao transferir para estados e municípios o controle ao desmatamento e anistiar o agronegócio de pesadas multas aplicadas a crimes de degradação ambiental, o novo Código dá sinal verde à ocupação descontrolada de terras e agrava as tensões fundiárias.
Tal como aprovado na Câmara dos Deputados, o novo Código retira a referência à lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98). No art. 130, que isenta propriedades de até quatro módulos fiscais da obrigatoriedade de manter a Reserva Legal nos limites da lei, permite o desmate direto de 69. 245.404 hectares de florestas nativas (cf. Potenciais Impactos das Alterações do Código Florestal Brasileiro na Meta Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, Observatório do Clima, 2010).
Apenas nos estados do Norte do Brasil, esse dispositivo proporcionaria desmatamento de até 71 milhões de hectares de florestas nativas (cf. Nota Técnica para a Câmara de Negociação do Código Florestal do Ministério Público Federal)
Mais do que um Código Florestal, o Brasil necessita, urgente, de uma reforma agrária. É lamentável que este tema esteja ausente da pauta do Congresso Nacional. Somos uma nação de dimensões continentais, com recursos naturais inestimáveis e inigualáveis e, no entanto, convivemos com a tragédia de cerca de 4 milhões de famílias expulsas de suas terras. Um por cento dos proprietários rurais é dono de 50% do território brasileiro!
A Comissão Pastoral da Terra, que acompanha os conflitos fundiários desde 1985, registra que, daquele ano até 2010, 1.580 pessoas foram assassinadas no campo. Dos assassinos, apenas 94 foram julgados e condenados: 21 mandantes e 73 executores (pistoleiros). E, dos mandantes, somente um se encontra preso, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, responsável pela morte da irmã Dorothy Stang, baleada no Pará em 2005.
Atualmente a lista de ameaçados inclui 1.855 pessoas. Personagens de uma crônica das mortes anunciadas? Sim, se o governo não der um basta à nefasta estratégia amazônica de matar para desmatar.
Outras mortes por assassinato ocorrerão se a presidente Dilma não tomar providências enérgicas para qualificar os assentamentos rurais, impedir o desmatamento e puni-lo com rigor, cobrar as multas aplicadas, federalizar os crimes contra os direitos humanos e, sobretudo, vetar o Código Florestal aprovado pelos deputados federais e promover a reforma agrária.
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.
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