Quando morre alguém importante, há certa tendência a exaltar as qualidades e minimizar os defeitos. Em alguns casos, a forçação de barra é maior. Para Itamar Franco, porém, os elogios vêm fluindo com certa leveza. Há os interessados em elogiar-se a si próprios por meio do elogio ao ex-presidente morto. Mas é humano. É sobretudo da política. Uma atividade em que a homenagem ao outro costuma ser a maneira indolor de se convidar ao centro do palco nessas ocasiões. Há quem aproveite a situação para promover um póstumo encontro de contas políticas. Uma quitação indolor de dívidas.
Mas por que Itamar é fácil de elogiar? Por que o elogio a ele soa sincero? Por ter sido um político reto. Dizia exatamente o que queria dizer e o que estava pensando sobre o assunto. Era do tipo apreciado pelo jornalismo por, como se diz, "dar lead". Não fugia do risco de produzir notícia.
Um contraste espantoso com nosso tempo. Vivemos uma época de raposices, matreirices, jogos de esconde-esconde e blindagens marqueteiras. Um tempo de espertos maquiados. E de espertezas. Um tempo de políticos teleguiados.
Itamar não era esperto, na acepção vulgar da palavra, tão em voga. Muito menos teleguiado. Talvez tenha sido sua maior esperteza. Um sintoma é não ter que, na reta final da fértil e longa vida política, dar explicações adicionais sobre fatos passados nem pedir desculpas para ninguém por uma palavra de que precisasse se arrepender. Uma esperteza bem contemporânea da política brasileira é dizer qualquer coisa, fazer qualquer coisa, pois sempre haverá oportunidade para retificar, se necessário. Aceita-se com naturalidade que o político diga uma coisa na oposição e o contrário no governo. Como se não fosse um atentado aos direitos e à inteligência do eleitor.
Nesta sociedade mergulhada em informação e crescentemente conectada, coisas assim deveriam ser cada vez menos toleradas. Hoje em dia a política – e o jornalismo – são atividades submetidas a controle de qualidade em tempo real. E serão cada vez mais.
O espaço para bravatas, para ludibriar, para enrolar, vai ficando estreito. Talvez por isso Itamar, na teoria um político de outro tempo, e que morreu octogenário, tenha sido moderno até o fim. Quem, como eu, teve o privilégio de vê-lo em ação no Senado nestes meses, pôde comprovar.
Tolerante
Se os governantes de hoje reclamam dos incômodos produzidos contra eles pela imprensa, deveriam dar uma pesquisada em como o jornalismo tratou o então presidente Itamar Franco. Após uma rápida lua de mel, começou a pancadaria. Bastou Itamar preencher as duas vagas econômicas (Fazenda e Planejamento) com quadros menos conhecidos ou menos prestigiados.
Itamar apanhou como gente grande, justa ou injustamente, mas nunca escorregou para ataques aos jornalistas ou à atividade. Muito menos cedeu à tentação autoritária de imaginar um país com imprensa menos livre. Lição a resgatar pelos governantes que ficam.
Popular
Quando Fernando Collor assumiu a Presidência, o Brasil era uma economia bem mais fechada. Sobre o setor automobilístico, por exemplo, ficou famosa a frase do então presidente comparando os carros nacionais a carroças.
Os efeitos da abertura econômica desde Collor são sentidos até hoje, para o bem ou para o mal. No caso da indústria automobilística, à importação de carros seguiu-se a importação de montadoras, para cá ou para outros países do Mercosul.
Um legado do itamarismo automobilístico é a explosão do mercado de carros populares. Quando o então presidente disse ter saudades do Fusca, deu o sinal. O Fusca voltou por um tempo, mas o recado era mais amplo. Carro tinha que ser para muitos. Falta hoje em dia um Itamar na Presidência para, com toda a simplicidade, perguntar por que afinal o brasileiro paga, por um carro, tão mais do que os cidadãos de outros países.
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