O contribuinte brasileiro, que carrega carga tributária responsável por retirar da sociedade mais de um terço de tudo que ela produz, ainda não pode se considerar livre da recriação da CPMF. Fiquem atentos, estamos rodeados de sanguessugas! Ao aprovar, sob forte pressão da sociedade e do governo, o projeto que regulamenta a Emenda 29, a Câmara dos Deputados rejeitou a emenda que criava a Contribuição Social para a Saúde (CSS) – nome de batismo da nova CPMF, mas com todos os defeitos da malfadada contribuição – deixaram sem solução o principal: de onde virá o dinheiro complementar ao orçamento da saúde? A emenda, como se sabe, tinha sido aprovada havia pelo menos 10 anos. Ela define percentuais mínimos da receita tributaria da União, estados e municípios a serem obrigatoriamente aplicados nas ações de saúde pública.
Além disso, estabelece que gastos podem e os que não podem ser lançados nessa conta. Atualmente, a União diz que aplica cerca de 7% de sua arrecadação nas rubricas do orçamento do Ministério da Saúde (para 2012, estão previstos R$ 72 bilhões... me engana que eu gosto!). Pelo texto aprovado, esse percentual é mantido, enquanto o dos estados é fixado em 12% e o dos municípios, em 15%.
Nenhuma das três esferas da administração pública tem recursos sobrando para cumprir esses percentuais, o que explica o interesse de alguns governadores na criação de um imposto para irrigar as burras federais, na expectativa de que terão gordos repasses de mais essa receita. O projeto de regulamentação foi remetido ao Senado, que ficou com a incumbência de preencher a lacuna da origem dos recursos com alguma ideia até agora impensada. É aí mesmo que mora o perigo, pois, se a necessidade de mais recursos para a saúde não se discute mais (ainda bem), a dúvida que fica e que precisa ser acompanhada de perto é se o Senado terá força para tocar o ponto mais dolorido: a parte da União.
De fato, a regulamentação da Emenda 29, como já alertou o próprio ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em vez de aumentar, reduz ao longo do tempo a participação da União no financiamento da expansão e melhoria da saúde pública. Na verdade, o projeto original previa o comprometimento de 10% da receita federal com a saúde, percentual discreta mas eficientemente reduzido. A União, depois da mudança, ficou obrigada apenas a não reduzir o total aplicado nos anos anteriores, corrigido pela inflação. É mais um dos truques que garantem, mesmo depois do fim dos governos militares, a concentração de poder na União, pela via da concentração das receitas. Ainda hoje, o poder central fica com 70% da gigantesca carga tributária brasileira, sobrando 17% para os estados e 13% para os municípios, para se roubar, usar em campanhas eleitorais, pagar motéis, comprar tapioca etc. Não é por outro motivo que sempre que o Congresso, movido ou não pelo governo, estabelece obrigações para estados e municípios – por exemplo, quanto a pisos salariais de funcionários civis ou militares –, fica aberta ferida de difícil cicatrização nas contas de quem ganha os pedaços menores do bolo tributário.
Nesse caso, como na maioria dos que tratam de gasto público, o que deveria estar em jogo é a velha questão da definição de prioridades. Aí fica difícil, porque a prioridade no Brasil é a falta de prioridade! Não foi outra coisa, aliás, que significou a derrubada da CPMF pelo Senado em dezembro de 2007, sob intenso aplauso da opinião pública: tirem de onde está sobrando ou é menos importante, mas não do nosso bolso.
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