Hoje participei de um programa da rádio Bandeirantes, o Linha Direta com a Justiça, em que diversos profissionais
do Direito respondem dúvidas da população. Uma das perguntas que
escolhi responder veio de um ouvinte bastante revoltado por dizer que
fica na fila da balsa Santos-Guarujá enquanto juízes,
promotores e oficiais de Justiça não pegam fila, ele acredita, porque
teriam prioridade, como se estivessem em alguma emergência e como se
cuidassem dos processos com a mesma urgência...
Aquelas palavras me deram uma tristeza.
Primeiro
pela raiva que o ouvinte parecia ter de juízes e promotores, sem
perceber que trabalhamos em prol do interesse público que se sobrepõe
sim, ao privado e que se não conseguimos atuar mais
rapidamente não é por falta de vontade mas em virtude do sistema
jurídico que é resultado do trabalho do Legislativo e muitas vezes da
falta de estrutura das varas em que atuamos, onde faltam escreventes para dar andamento aos processos e cumprir nossas decisões.
Depois
por ele imaginar que exista este tipo de prioridade e não perceber como
ela poderia sim ser necessária e útil para quem aguarda aquele juiz que
se divide entre as varas de Santos e Guarujá, por exemplo, como eu mesmo fiz varias vezes enquanto substituta, ficando parte do dia em Cubatão
e indo as seis da tarde fazer audiência de instrução envolvendo réus
presos por tráfico de drogas em Vicente de Carvalho, Distrital do Guarujá, porque as duas varas estavam vagas e só tinha eu de substituta na circunscrição
naquela época. Quantas vezes algum pedido de liberdade provisória,
alguma liminar, até mesmo de fornecimento de medicamento ou de
realização de cirurgia, ficava me esperando chegar, enquanto eu pegava a
fila da balsa?
Eu estava a trabalho e sempre fiquei na fila, mas qualquer prioridade que tivesse seria em prol do serviço público que realizava, por interesse público, ou não? Eu não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas cada minuto a menos que ficasse em Cubatão seria retirado de algum processo, mas poderia ser utilizado para os processos do Guarujá. E os minutos na balsa?
Eu estava a trabalho e sempre fiquei na fila, mas qualquer prioridade que tivesse seria em prol do serviço público que realizava, por interesse público, ou não? Eu não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas cada minuto a menos que ficasse em Cubatão seria retirado de algum processo, mas poderia ser utilizado para os processos do Guarujá. E os minutos na balsa?
Esse é o sentido de qualquer prerrogativa
ou prioridade e sendo o juiz aquele que aplica o Direito, que estuda o
caso concreto e verifica qual a lei que será aplicada a ele, muito me
choca que se tenha essa imagem do juiz, de alguém que furaria a fila da
balsa por motivos egoísticos ou por se achar melhor que as outras pessoas que ali esperam...
Talvez
existam juízes assim e nesse caso, peço desculpas em nome do Poder
Judiciário pelos mesmos, mas asseguro que são minoria, pois não se pode
viver de aplicar as leis sem as respeitar, não se pode
viver ouvindo os outros para verificar qual a norma aplicável a seu caso
concreto sem aprender a enxergar as outras pessoas e respeitar seus
direitos...
Ninguém
consegue bem viver com tal grau de hipocrisia e o próprio sistema se
encarrega de encaminhar estas pessoas para outras carreiras onde possam
ter mais poder, mais dinheiro e menos contato com a dor alheia...
Muito
me entristece essa imagem do juiz como um oportunista e espertalhão, a
usar seu cargo como meio de acesso a facilidades que as outras pessoas não teriam e não
como alguém que exerce um poder em nome do Estado e como tal precisa de
algumas garantias para bem realizar esse serviço. Poupar o tempo de
percurso deste profissional para o seu trabalho, onde processos dos quais a tranquilidade
de tantas pessoas depende, talvez fosse inteligente, já que esse tempo
em última instância, por ser pago pelo Estado, é pago por todos nós,
inclusive por aquele ouvinte.
É
apenas para facilitar o exercício desse serviço que a todos interessa
que juízes e outras autoridades têm, por exemplo, atendimento preferencial em filas de banco e cartório, porque o tempo que perdem ali será retirado do trabalho que poderiam estar fazendo.
O
juiz hoje, com a carga de trabalho que tem, não pode se dar ao luxo de
perder uma hora que seja da sua manhã resolvendo algum problema no
banco, por exemplo. E acreditem, também temos problemas no banco que
podem impedir qualquer bom profissional de bem exercer seu trabalho que depende principalmente da sua mente...
Não
temos horário fixo, mas isso não traz alívio se o volume de processos
que aguardam nossa decisão é tão grande que impede sua resolução nas
oito horas de trabalho que outros profissionais costumam fazer.
Temos
responsabilidade e sabemos das pessoas que aguardam o resultado daquele
processo que espera nossa decisão e isso tem um peso muito maior para
quem tem comprometimento com seu trabalho.
Fico
triste, mas sei que respeito não se exige, se conquista e em algum
ponto tivemos essa imagem associada à nossa carreira e já passou da hora
de mostrar que não é assim. Somos um poder imparcial e
isento, mas não mudo. O silêncio, por muito tempo considerado a melhor
postura, para mantermos a neutralidade, passou a ser visto como
arrogância e confissão de culpa e tornou-se sinal de covardia.
Talvez
se todos soubessem o que é ser juiz em nosso país, com que dificuldade
muitas vezes não só ele, mas todos os funcionários do Judiciário
trabalham, com falta de material, sem novas contratações mesmo com o
número de feitos aumentando, sem reposição de funcionários que se
aposentam ou se exoneram, trabalhando sempre para tentar diminuir o
atraso sem perspectiva de zerar o acervo, o que leva a
muitos afastamentos por depressão, entendessem que o juiz não é essa
pessoa que vive de aplicar a lei para os outros mas não para si próprio,
mas sim alguém que um dia motivado por um forte ideal de Justiça
acreditou que poderia fazer diferença, vivendo desse ideal e hoje tenta
não ser engolido em meio à burocracia...
Obs.: Aqui no RJ doutora, além de furar fila juiz também não paga...
Obs.: Aqui no RJ doutora, além de furar fila juiz também não paga...
CARO EDUARDO
ResponderExcluirNUM PAÍS ONDE REINA O MAU CARATISMO E A IMPUNIDADE OS BONS, NA SUA MAIORIA, ESTÃO PAGANDO PELOS MAUS POLÍTICOS, MAUS JUIZES, MAUS PROFISSIONAIS, MAUS EMPRESÁRIOS E MAUS CIDADÃOS!!!!
Marisa Cruz