Frequentemente
eu escrevo artigos que visam alertar a população brasileira sobre as
decisões incorretas, indevidas e absurdas que a Justiça vem tomando,
sucessivamente, ao longo dos últimos anos. E meus artigos não são, em
hipótese alguma, ataques vazios ou sem fundamento, mas sim análises
criteriosas, isentas, impessoais e absolutamente imparciais, que
demonstram muito claramente o defeito de cada decisão criticada.
Por
outro lado, esses artigos têm me colocado como alvo de críticas e
ataques pessoais, ofensivos e gratuitos, o que tem feito com que eu
evite, tanto quando me é possível, essa linha editorial, isto é, a
crítica a decisões judiciais. O problema é que os erros judiciários são
muitos, diários, e a cada dia mais absurdos e nocivos à sociedade
brasileira. E eu não posso me calar, sob pena de violentar minha própria
consciência, como ser humano, cidadão e incansável defensor da
democracia.
Nesse
sentido, não posso deixar de denunciar o retorno aos nefastos tempos da
censura prévia instituída pela ditadura militar a partir de 1964, que
foi expressa e veementemente banida do Brasil pela Constituição Federal
de 1988, e agora reativada por uma nova forma de ditadura, velada,
oculta, dissimulada: a ditadura judiciária.
São
numerosíssimos os exemplos de decisões judiciais que têm proibido a
circulação de jornais, revistas e outros veículos impressos, além de
determinarem o recolhimento de exemplares já distribuídos aos pontos de
venda, tudo sob o pretexto de que a publicação censurada apresentaria um
suposto conteúdo ofensivo a determinada pessoa ou grupo. Levantamento
realizado pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) constatou, em 2012,
11 decisões judiciais que determinaram censura à imprensa; em 2011 foram
identificados outros 14 casos; em 2010, 16 casos; em 2009, 10; e 6
casos em 2008.
Chamo
de ditadura judiciária o fato de alguns magistrados concederem a si
mesmos o direito de decidirem o que bem entendem, conforme os seus
próprios sensos de justiça, ditando o comportamento social segundo suas
próprias opiniões sobre o que é certo e o que é errado, sobre o que é
justo e o que é injusto, recusando-se a simplesmente aplicar a lei, como
deveriam. E, para isso, usam argumentos tão eloqüentes e tão
aparentemente convincentes quanto indevidos, os quais sabem ou deveriam
saber serem absolutamente irreais e antijurídicos, o que demonstra
arbitrariedade ou ignorância jurídica, ambas hipóteses que tornam o
magistrado indigno de cargo que ocupa.
Para
ilustrar a ditadura judiciária a qual me refiro, remeto o leitor aos
tantos artigos que eu já escrevi criticando decisões judiciais,
publicados na Seção Editorial do meu Escritório Virtual (www.leocadio.adv.br).
Mas alerto para o fato de que aqueles exemplos são apenas alguns poucos
grãos de areia, diante da imensidão de decisões arbitrárias e indevidas
exaradas pela Justiça diariamente em todo o Brasil.
Especificamente
em relação à censura que vem sendo praticada pela ditadura judiciária,
para confirmá-la basta que se analise o sistema de proteção social
contra a censura, construído no artigo 5º da Constituição Federal. E as
eloqüentes decisões arbitrarias proferidas pela ditadura judiciária
brasileira passam ao largo desse sistema, citando-o de forma incompleta
ou distorcida, ou mesmo sem nem sequer citá-lo, justamente porque sabem
que, se trazido à tona, desconstituiria e invalidaria qualquer
argumentação contrária, por mais eloqüente, correta e justa que
parecesse.
Trata-se
de um conjunto de dispositivos que estabelecem a mais ampla liberdade
de manifestação, associada à responsabilização do manifestante por
eventuais danos provocados por manifestações indevidas. Nesse sentido, o
inciso IV do referido artigo 5º estabelece que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
Assim, a ninguém é dado o direito de se manifestar às escondidas,
clandestinamente, anonimamente, para que a pessoa que manifesta
livremente o seu pensamento possa também assumir eventuais
responsabilidades e conseqüências decorrentes das suas manifestações.
O inciso seguinte, inciso V, assegura a quem quer que se sinta ofendido, o direito de resposta, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
Dessa forma, a Constituição estabelece que ninguém pode ser calado,
ninguém pode ser impedido de falar, sendo o direito de manifestação um
direito sagrado e inviolável; mas o abuso desse direito pode resultar em
direito de resposta e de reparação de todos os danos eventualmente
causados, sob a responsabilidade do autor das manifestações ofensivas.
Mais
a diante, o artigo 5º da Constituição Federal volta ao tema da
liberdade de manifestação, só que agora com o propósito específico de
vedar mais clara e veementemente toda e qualquer forma de restrição ao
direito de expressão, proibindo não só a censura mas também o
condicionamento a licenciamento prévio [ou autorização prévia,
obviamente]. É o que estabelece o inciso IX, segundo o qual é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
E
essa ampla liberdade de expressão não é estabelecida apenas em
benefício de quem deseja se expressar, mas também em benefício da
sociedade como um todo, no sentido de impedir toda e qualquer forma de
restrição à difusão ou acesso à informação. É o que se depreende do
inciso XIV, que assegura a todos o acesso à informação.
Por
outro lado, como eu disse acima, o sistema que institui o direito à
mais ampla liberdade de expressão também prevê a punição do abuso desse
direito. E o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal é bastante
específico em relação a isso, reafirmando, inclusive, o direito à
indenização, nos seguintes termos: são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Note,
portanto, que, sob todos os aspectos que se possa analisar o inciso X, o
fato é que ele não autoriza, sob nenhum pretexto, qualquer restrição ou
censura prévia à livre manifestação do pensamento, ainda que ofensiva. O
que o texto prescreve, isto sim, é o posterior direito a indenização pelo dano decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem,
mas nunca a censura ou qualquer forma de restrição prévia à livre
manifestação, nem mesmo sob o pretexto de proteger aqueles valores ditos
invioláveis, ou prevenir a sua violação.
Enfim,
o sistema estatuído no artigo 5º da Constituição Federal estabelece que
a manifestação do pensamento goza da mais ampla liberdade, sendo vedada
qualquer forma de censura, restrição ou proibição, ainda que a
manifestação de alguém venha ou possa vir a resultar em violação de
direitos de outrem, inclusive direitos fundamentais protegidos pelo
próprio artigo 5º em análise. Caso qualquer manifestação do pensamento
ou expressão artística venha a violar direito alheio, é assegurada
posterior indenização, mas nunca qualquer forma de censura ou restrição
prévia, mesmo que a título de prevenção contra uma potencial violação.
Diante
do sistema constitucional da mais ampla liberdade de expressão como
regra geral, somente a própria Constituição Federal poderia estabelecer
exceções. E ela de fato criou um tratamento diferenciado para algumas
hipóteses específicas, no artigo 220, instituindo o sistema de
classificação indicativa, por faixa etária, como forma especial de
proteção da família. Mas não sem, antes, reafirmar o direito à mais
ampla liberdade expressão e a proibição de qualquer forma de censura,
que já estavam muito bem instituídos no artigo 5º. Eis o texto do artigo
220:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º - Compete à lei federal:
I
- regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público
informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se
recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada;
II
- estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a
possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e
televisão que contrariem o disposto no art. 221 [que estabelece alguns princípios a serem observados pelas emissoras], bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
Observa-se,
portanto, que a Constituição Federal excepcionou, apenas, as diversões e
espetáculos públicos e os programas de rádio e televisão. E mesmo essa
exceção destina-se apenas à identificação e informação de sua natureza e
conteúdo, bem como as faixas etárias, locais e horários que lhes sejam
recomendados. Tudo com finalidade meramente informativa, sem qualquer
possibilidade de proibição ou censura, mas apenas para que as pessoas e
famílias disponham de suficiente informação que lhes permita decidirem,
conscientemente, por si mesmas, o que desejam assistir ou permitir que
seus filhos assistam. Não cabe, pois, ao Poder Público, decidir pelas
pessoas ou famílias.
E
note que o § 6º deixou a salvo, expressamente, a mais ampla liberdade
dos veículos impressos, que não se submetem nem mesmo a esse sistema de
proteção da moral da família brasileira.
Cumpre
ressaltar, por fim, que mesmo em relação ao sistema de classificação
indicativa instituído pelo artigo 220 da Constituição Federal, o § 3º é
expresso em afirmar que compete à lei federal, e não ao Poder Executivo ou ao Poder Judiciário, regular as diversões públicas e estabelecer os meios legais de proteção da família,
cabendo ao Poder Público apenas classificar e informar, mas nunca
exercer qualquer forma de censura, restrição ou proibição. Isso porque –
repita-se – a decisão de assistir ou permitir que seus filhos assistam a
qualquer espetáculo público ou programa de rádio ou televisão pertence
exclusivamente às pessoas e famílias.
Freqüentemente,
porém, mesmo com tudo isso que se expôs acima, a Justiça brasileira tem
proferido decisões no sentido de proibir manifestações, publicações e
outras formas de expressão, além de mandar recolher exemplares de
publicações já em circulação, tudo sob o pretexto de proteger a
dignidade, a família, a criança e o adolescente, a intimidade, a honra, a
vida privada, entre outros valores constitucionalmente protegidos, sem
considerar, contudo, que o sistema constitucional brasileiro veda
veementemente qualquer forma de censura prévia, sobretudo dos veículos
impressos. E o que mais me causa angústia e aflição são as páginas e
páginas que esses magistrados escrevem para justificar o injustificável,
para emprestar aparente validade jurídica a decisões que sabem ou
deveriam saber que são absolutamente infundadas. A eloqüência das
argumentações inscritas nas mais absurdas, arbitrárias e indevidas
decisões judiciais assusta, pois apenas confirma que o magistrado sabe
que está errado, mas imprime um enorme esforço argumentativo para
justificar uma decisão cuja finalidade é apenas impor sua vontade
pessoal.
CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO