Um olho aberto encara o internauta que atende ao pedido para votar. Trata-se da Public Eye Awards,
uma plataforma da sociedade civil hospedada desde 2005 pela Berne
Declaration e Greenpeace da Suíça com a missão de lançar uma luz crítica
sobre as práticas de negócios irresponsáveis. Neste ano, o objetivo foi
atingir a meta de 300 mil votos até a última terça-feira (21), último
dia de votação. A empresa que “ganhar o prêmio” terá seu nome cravado
para sempre numa espécie de calçada da vergonha virtual. Até dia 21, eu
estava acompanhando a votação e a empresa mais votada pelo público em
geral era a Federação Internacional de Futebol, a Fifa. Mas só no dia
23, num evento paralelo ao início do Fórum Econômico Mundial, é que o
mundo saberá o nome das indicadas, da vencedora e os motivos que as
conduziram por esta trajetória que põe sua imagem num lugar muito pouco
desejável.
No caso da Fifa, segundo os organizadores da plataforma, ela foi
indicada porque tem tido uma atuação bem pouco humanitária ao redor do
mundo, entre outras coisas sem se importar com as pessoas que são
removidas de suas casas para que obras grandiosas sejam feitas antes dos
eventos esportivos. A foto ilustrativa no site mostra os escombros de
uma casa aqui no Rio de Janeiro, lugar onde, como se sabe, as remoções
estão recebendo muitas críticas dos movimentos sociais.
O muro da vergonha, como é chamado pelos organizadores da plataforma,
é ocupado por multinacionais de nomes muito conhecidos, como Citigroup
Inc., The Walt Disney Company, Wal-Mart e até a brasileira Vale, que
levou o “prêmio” em 2012. Questões trabalhistas, humanitárias e ligadas à
devastação do meio ambiente são as que mais ajudam a manchar a imagem
das empresas. Ações financeiras pouco claras, corrupção, tudo isso conta
para a escolha da lista das corporações que vão para o muro.
Por coincidência, em conversa há poucos dias com o professor Roberto
Bartholo, do Instituto de Pós-Graduação e Engenharia de Produção da
Coppe-UFRJ, e Rita Afonso, pesquisadora da mesma instituição, falamos
sobre essas instâncias de denúncias, criadas pela sociedade, contra
corporações. Nossa conversa girava sobre a responsabilidade social
corporativa. É o caminho possível para uma mudança de modelo
civilizatório? Bartholo prefere desconstruir este movimento porque, para
ele, toda empresa é uma instituição e não pode se negar a ser porque
estaria indo contra sua natureza.
—- Responsabilidade é uma resposta, depende da capacidade e da
urgência de se responder. E a inovação social é algo que nasce fora das
empresas e para a qual ela pode responder, ou não. Pode haver
responsabilidade se há uma resposta. Em não havendo, não há — disse ele.
Mas às vezes a resposta é pífia, e sempre voluntária. Há empresas que
se instalam em lugares pobres e decretam o que as pessoas dali precisam
e quanto elas vão gastar para isso. Esta iniciativa chamam de
responsabilidade social. Será mesmo?
—- Talvez o poder público devesse legitimar isso, ou não? – perguntou Rita Afonso.
—- Eu acho que tem dois parâmetros para você pensar em relação a esse
exemplo. O primeiro é pedir ajuda ao Estado para que ele regule esse
tipo de iniciativa. Mas é preciso levar em conta que o Estado também tem
vínculos, digamos solidários, com as empresas que financiam campanhas. O
segundo é criar uma instância de denúncia disso, que pode ser
construída pela própria sociedade. Por exemplo: tem o movimento dos
indignados com essas empresas. Esse movimento começa e cria algo na web,
denuncia esses casos. Se a coisa for implantada, independentemente do
Estado como instância reguladora, começa a criar um clima desfavorável
para esse tipo de situação — respondeu Bartholo.
E quando são confrontadas, as empresas, estrategicamente, dão ou não uma resposta, é assim que acontece.
—- Aí é preciso ver a resposta que a empresa está dando a isso. Pode
ser sob forma de diálogo, tipo, vamos fazer alguma coisa juntos. Mas a
empresa pode também pegar o movimento e trucidar, acabar com ele. É uma
resposta, e não é a mais responsável das respostas. Ou ainda, ela pode
chegar com o talão de cheques, perguntar quem são os cabeças do
movimento e passar um cheque para cooptar os caras. É preciso criar um
critério de avaliação dos padrões diferenciados de resposta para começar
a poder falar de responsabilidade social empresarial – respondeu
Bartholo.
Nesse momento eu me lembrei de tantas denúncias que já foram feitas
contra empresas que estão aí fazendo o mesmo que fizeram… Lembram-se,
por exemplo, da denúncia contra a GAP (loja de roupas presente em vários
países) feita em 2007 pelo jornal britânico “Observer”? A presidente da
corporação na época, Martha Hansen, imediatamente após a denúncia
chamou toda a imprensa e fez uma declaração explosiva: “Isto é
completamente inaceitável. Jamais incentivamos o trabalho escravo, muito
menos o trabalho infantil. Nós estamos gratos à reportagem por chamar
atenção para o problema”.
Atitude correta, certo? Só que a empresa foi novamente denunciada
pelo mesmo crime em outras ocasiões. No ano passado, segundo a ONG
Repórter Brasil, uma fiscalização aqui no país resultou na libertação de
28 costureiros bolivianos numa empresa quarteirizada pelo grupo GAP. A
resposta agora já não vem mais pela boca da própria presidente, mas de
assessores que divulgaram nota dizendo que a empresa repudia com
veemência toda forma de trabalho irregular. Um dia depois, ainda segundo
o site da ONG, a empresa quarteirizada (GEP) aceitou pagar R$ 10 mil
para cada uma das vítimas além de R$ 450 mil por danos morais coletivos.
Ficar de olho nessas respostas e na real possibilidade de diálogo
talvez seja o caminho para um desdobramento de denúncias como faz esta
plataforma PublicEye. É o que me interessa refletir aqui. A sociedade
civil deste século tem na internet uma arma importantíssima para lutar
contra quem considera como inimigos, seja no mundo das corporações, seja
no mundo da política. Não só para denunciar nomes como para alfinetar
questões intrínsecas a um sistema financeiro e econômico que dá chances
para a desigualdade.
A Oxfam, por exemplo, uma confederação da sociedade civil com 13
organizações que tem três mil parceiros espalhados em mais de cem
países, também divulgou pela internet nesta segunda-feira (20) o
documento chamado Working for the Few (“Trabalhando Para
Poucos”, em tradução livre). O estudo dá conta de que as 85 pessoas mais
ricas do mundo têm um patrimônio de US$ 1,7 trilhão, o que equivale ao
patrimônio de 3,5 bilhões de pessoas, as mais pobres do mundo.
O relatório, amplamente divulgado para o mundo inteiro, ainda afirma
que a riqueza do 1% dos mais ricos do mundo equivale a um total de US$
110 trilhões, 65 vezes a riqueza total da metade mais pobre da população
mundial. De novo, eu pergunto: qual o desdobramento desse tipo de
denúncia?
Nesta terça-feira (21), quando saí da sala do cinema onde fui
assistir ao “O Lobo de Wall Street”, encenado por Leonardo DiCaprio,
tropecei em alguns desses pensamentos. Embora desta vez esteja num filme
ficcional, DiCaprio é um hollywoodiano preocupado com os destinos do
planeta. Em 2007, fez “A Última Hora”, um documentário-denúncia correto
sobre o que leva ao aquecimento global. E agora pôs na telona, num filme
candidato ao Oscar, todo o processo de especulação financeira, em parte
responsável por tanta desigualdade no mundo. E isso não é ficção. Ou
vocês imaginam que o 1% mais rico acorda todo dia cedo para o trabalho?
Daqui a milênios, quando os escafandristas chegarem para explorar
nossa civilização, hão de se perguntar, perplexos: ora, mas como eles
não fizeram nada para impedir, se tudo já era tão conhecido? Para mim,
fica essa questão desde já.
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