Em 14out09, a FAO divulgou o primeiro relatório do evento. “The State of Food Insecurity” traça um panorama da fome no mundo e analisa o impacto da crise global sobre a insegurança alimentar, uma combinação perversa de fome e risco de morte por inanição.
O assunto é gravíssimo e exige enfoque profissional e competente. Como se pode imaginar, improvisos estão fora de questão e não se levanta uma caneta sem o suporte de um ferramental analítico robusto e confiável.O que pretende a ONU? Identificar o que fazer para que todos tenhamos alimentos bons e acessíveis em 40 anos. Que medidas a ONU recomenda que sejam tomadas hoje? Que instrumentos lançar mão?
Se essas respostas caíssem do céu, ótimo. Mas em assunto tão sério, errar significa condenar à morte milhões de seres humanos. Ou pior: bilhões, como veremos adiante. Aqui não há lugar para achismos. Começar por uma lista de recomendações, mesmo para um painel de renomados experts, seria não apenas de uma brutal incompetência, mas de uma irresponsabilidade cruel e inconcebível.
Cautelosa, a FAO, que de boba nada tem, não cai na tentação de começar pelo final e exige que suas sugestões estejam alinhadas estrategicamente a um plano maior, com princípio, meio e fim. Nada de medidas práticas sem antes definir uma estratégia decente. E nada de definir estratégias sem analisar previamente os “futuros” plausíveis .
É exatamente por aí que a ONU começa. O relatório divulgado ontem – repita-se – “traça um panorama da fome no planeta e analisa o impacto da crise mundial sobre a insegurança alimentar”. Foco no presente.A FAO dá conta da primeira etapa com maestria. Os principais pontos do relatório são:
- Somos mais de um bilhão de famintos.
- É o maior número de seres humanos sem acesso à comida desde 1970.
- Cerca de 70% da população desnutrida estão na África Subsaariana e na Ásia.
- Principais causas do aumento da insegurança alimentar (fome + risco de morte por inanição): elevação dos preços dos alimentos, do desemprego e queda na renda.
- Há aumento da mortalidade infantil, especialmente em meninas.
- Mais sujeita ao desemprego, a população urbana é a mais afetada.
- Os preços dos alimentos já estavam altos antes da crise.
- Com a crise, os preços subiram ainda mais: feijão +15%, arroz +27%, trigo +18%, milho +13%.
- A crise pode desperdiçar oito anos de esforços contra a pobreza.
- No desespero para sobreviver, a população exposta à fome compromete a capacidade de geração futura de renda, alimentando o ciclo perverso da pobreza.
- Principais práticas adotadas pelas famílias na tentativa de minimizar a insegurança alimentar: a) reduzem a qualidade e diversidade da dieta, eliminando leite, carne, frutas e vegetais; b) reduzem os gastos com saúde, educação, bens duráveis e semi-duráveis; c) vendem ativos, como bicicletas e móveis; d) recorrem a empréstimos nos mercados formal e informal; e) engajam-se em atividades com potencial de geração de renda, ainda que sub-humanas; f) migram para áreas onde imaginam encontrar maior oferta de empregos; e g) retornam às áreas rurais, reduzindo o salário médio na região por excesso de mão-de-obra.
- O Brasil é apresentado como exemplo positivo na implementação de medidas anticíclicas.
- A dieta média do brasileiro é de 3.000kcal/dia, semelhante a do Casaquistão, Malásia, Cuba, Jamaica, Irã, Kuwait, Líbano, Argélia, Tunísia, Marrocos, Gabão e Gana.
- No período 2004-06, o Brasil contava com 6% da população em situação de desnutrição, praticamente o mesmo nível que Jamaica, Guiana, Suriname e Nigéria.