Devemos chorar. Não apenas por ele. Mas, por nós que ficamos sem ele.
Nascido numa família aristocrática francesa, estudou na École Polytechnique, cresceu no nobre bairro de Neuilly-sur-sene (onde mantinha o apartamento herdado e o deixava ao uso dos amigos). Formado, uniu-se ao grupo liderado pelo físico Leprince-Ringuet e teve o primeiro contato com a física experimental. Estudou na École d’etudes Politiques. Recebeu o título de Ph.D. em física experimental de altas energia na Universidade de Stanford, nos EUA, ao escrever o livro "Introduction to General Relativity" (Introdução à Relatividade Geral) com outros dois colegas. Após um curto período na França, voltou aos Estados Unidos, para a Universidade de Princeton onde foi professor, pesquisador e diretor de teses de doutorado do Departamento de Física. Em 1968, foi para a Universidade de Rutgers, em New Jersey onde criou minicursos especializados em física e astronomia. Organizou no Livingston College o curso "Ciência e os Povos do Terceiro Mundo" com alunos de diferentes estratos sociais e etnias. Teve dois filhos que vivem nos Estados Unidos.
Viveu e se deu ao terceiro mundo. Veio para o Brasil, mas no início dos anos de chumbo partiu para o Chile de Allende com os exilados brasileiros. Não era exilado, mas foi. Em 1973, no Chile, conheceu Tetê Moraes, com quem se casou. Depois do 11 de setembro de 1973 no Chile foi para Portugal. Depois trabalhou em Angola e Moçambique, também com Paulo Freire. Voltou ao Rio de Janeiro em fins de 1978 quando a abertura política permitiu que a cineasta brasileira voltasse e uniu-se ao grupo de agitadores culturais composto também por Pierre Lucie, Ildeu de Castro Moreira, Ennio Candotti, Jair Koiller e se envolveu em diversas iniciativas voltadas à melhoria do ensino de física e da divulgação da ciência, o que culminou, em 1983, na criação do Espaço Ciência Viva. Em 1990, foi para o Exploratorium, em São Francisco, ministrar oficinas de formação e capacitação de professores. Paralelamente ao trabalho no museu, desenvolveu projetos de inclusão social voltados às populações hispânicas dos Estados Unidos. Em 1998, mudou-se para Florianópolis, com a então mulher Enedina e com os outros dois filhos brasileiros Sarah e Eric, para trabalhar com a Educação de Jovens Adultos (EJA). Em 2001, iniciou um trabalho na Amazônia com os índios Tuyuka, ajudando-os a registrar o próprio pensamento matemático. Queria aprender com os Tuyuka a formalizar o conhecimento que já detinham. Andava aprendendo a língua dos surdos para lhes falar de física na própria linguagem, numa escola em que os professores se utilizam de intérpretes.
Bazin amava com intensidade e somente quem sabe o que é amar pode compreender o que sentia. Amava a humanidade e as pessoas. Às mulheres amava de forma especial. Ao voltar de sua última viagem de avião falou-me do amor que sentia por Isabel e fazendo-me privilegiado, disse-me: “Você é a primeira pessoa para quem falo.” Morreu depois de uma cirurgia cardíaca. Um coração é pouco para quem ama muito.
Morreu segunda feira, dia 19/10. Seu corpo foi cremado quinta-feira. Hoje foi sua missa de 7º dia. Logo pra ele que não concebia a transcendência espiritual. Mas, a missa não foi pra ele. Ele não a aceitaria. Mas para nós, tanto os que crêem quanto os que apenas o queriam reverenciar mais uma vez e encontrar os amigos do qual era o elo.
Convivi intensamente com ele. Nas nossas alegrias e angústias. Nunca com tristeza. Andamos por muitos lugares desta cidade. Ele queria ir a Calundu, nos limites entre Belford Roxo e Duque de Caxias e para lá fomos nós. Tinha a curiosidade dos sábios e desejava conhecer o Instituto de Arqueologia Brasileira/IAB e conversar com o Professor Ondemar Ferreira Dias Júnior sobre questão específica da História Antiga Sul-americana. Apresentei-lhe o Mazinho, numa tarde chuvosa, numa rua enlamaçada (que denotava como o poder público direciona a aplicação das verbas públicas urbanizando o já urbanizando, mas deixando à míngua aqueles que carecem de recursos) e depois soube que voltara lá para aprender mais um pouco sobre aquele trabalho de arqueologia e inclusão social feito por um professor igual a ele.
Em outra feita convidou-me para irmos ao Espaço Ciência viva, O Museu da Ciência onde é proibido não mexer. No caminho entabulou conversa com um menino de rua num sinal. Estávamos acompanhados de minha mulher e meu filho João Cândido, que tinha 4 anos (hoje já está com 5 anos). Bazin apresentou os meninos de rua para João Cândido.
Na semana seguinte passei por um sinal com João Cândido e ele começou a me perguntar por aqueles meninos que estavam na rua sem uniforme de escola e sem seus pais. Falei-lhe das muitas possibilidades daquela ocorrência. Talvez não tivessem pais, talvez não tivessem casa, talvez não tivessem comida em casa ou ainda talvez, apesar de tudo isto, não tivessem alegria em suas casas. Falei e calei, o que é custoso.
Depois de alguns minutos João Cândido me disse: “Papai, vou dar o meu pão pra eles.” No dia seguinte na escola a professora pediu às crianças que fizessem um desenho. João Cândido desenhou dois meninos com os braços estendidos. A professora perguntou aos alunos o que haviam desenhado e escreveu atrás dos seus desenhos. No desenho de João Cândido está escrito: “Menino dando o pão.” Bazin, com sua interação, num rápido momento de sinal vermelho, ensinou a meu filho a diferença, a alteridade e a solidariedade.
Na última vez que esteve em minha casa entrou com um jornal, o Le Monde Diplomatique, e uma garrafa de vinho. Estava entusiasmado com um artigo da Cientista Política Mônica Bruckmann. Ao repousar a garrafa de vinho sobre a mesa de centro me disse: “Eu trouxe uma garrafa de vinho porque este é um hábito dos operários franceses. Quando querem conversar levam um vinho. Curioso que um homem originário da elite francesa quisesse se comportar como os operários. Começamos a conversa falando de classe. Perguntei se a classe dominante francesa não bebe vinho. Ele respondeu que às vezes, mas que sua bebida é o espumante ou o destilado. Conversamos um vinho. Devagar para que a conversa fosse mais longa. Ao sair ele me falou do jornal. Trouxera-o para a eventualidade de falta do que falar.
Dividia o pão e conversava em torno de uma garrafa de vinho e hoje celebramos sua missa de 7º dia. Mas não era cristão. Não o era no sentido do Cristo da transcendência; do Cristo sofredor; do Cristo misericordioso. Mais que a misericórdia (dar o coração aos pobres), a transcendência ou a necessidade de sofrimento para a superação, tinha em si a generosidade, a concepção da concretude da vida e o hedonismo. Não sofria ao dar-se. Ao contrário, este era seu prazer. Enriquecia-se dando.
No Ano França-Brasil, Maurice Jacques Bazin é a síntese do melhor que a França deu ao mundo e nos deu. Era universal e revolucionário. Era a síntese da Fraternidade, da Liberdade e da Igualdade. Mais que isto: era a síntese da Generosidade.
João Batista Damasceno é Juiz de Direito