Seu último desejo: voar mais uma vez em São Conrado.
Marco Archer já esperava ter a pena de morte confirmada no Supremo
Tribunal indonésio, como ocorreu. Sua única esperança agora é um apelo
do Itamaraty ao presidente indonésio por clemência. Isto lhe pouparia a
vida, mas o deixaria para sempre na cadeia. A execução ainda poderia
demorar cinco anos.
Quem é Marco? Um carioca, com o apelido
chinfrim de Curumim. Ele cresceu classe média na Ipanema dos ricos.
Queria ser um deles. Em 80, aos 17 anos, foi à Colômbia disputar um
campeonato de asa delta. Voltou campeão, mas mordido pela mosca azul do
narcotráfico: sacou como ganhar dinheiro fácil.
“Alguém no hotel
me deu uma caixa de fósforos com cocaína. Depois da primeira viagem,
nunca fiz outra coisa na vida, tenho mais de mil gols”, exagera.
Ele conta que serviu de mula no Hawai, Nova York, Europa toda. “Fazia viagens rentáveis, ficava meses sem trabalhar.”
Na cadeia, Marco passa horas olhando fotos amassadas que guarda numa
imunda pasta preta. São recuerdos de suas viagens, de belas mulheres, de
carrões e barcos: “Não posso me queixar da vida que levei”.
Orgulha-se: “Nunca declarei imposto de renda, nem tive talão de cheque,
não servi ao Exército. Só votei uma vez na vida. Foi no Collor, amigo da
família”.
Com o dinheiro do tráfico, Curumim manteve
apartamentos em três continentes, abertos pra patota da asa delta, do
surf, da vida boa: “Nunca perguntaram de onde vinha meu dinheiro”.
Marco conta que saiu do Brasil para morar em Bali há 15 anos, “cansado
de ver meu irmão (Sérgio) bater na minha mãe para obter dela dinheiro
pras drogas”. O irmão morreu de overdose em 2000, mas a estas todas ele
tinha tido seu infortúnio: em 1997 caiu da asa, sofreu várias fraturas.
Dali pra frente sua atividade de mula de drogas diminuiu, as contas de
hospitais cresceram. Ficou quase dois anos sem andar, até conseguir se
recuperar. Hoje anda com dificuldades, com as pernas cheias de pinos de
metal.
Pra decolar outra vez na vida boa ele preparou aquele que
seria seu último golpe, faturar 3 milhões e 500 mil dólares inundando
Bali com cocaína.
Foi ao Peru, pegou 15 quilos com um fornecedor,
por uma bagatela, cerca de 8 mil dólares o quilo (dinheiro que ele
obteve com um chefão americano, com quem dividiria os lucros da
operação). Marco meteu a droga nos tubos de sua asa delta. Saiu
de Iquitos, no Peru, para Manaus, pelos rios da Amazônia. “Eu me
misturei com turistas americanos e nunca fui revistado”, gaba-se. De lá
embarcou para Jacarta: “Tava tudo pronto pra ser a viagem da minha
vida”.
No desembarque, mete o equipamento no raio x. A asa de
Marco tinha cinco tubos, três de alumínio e dois de carbono. Este é mais
rijo e impermeável aos raios: “Meu mundo caiu por causa de um guardinha
desgraçado”.
“O cara perguntou porque a foto do tubo
saía preta. Eu respondi que era da natureza do carbono. Aí ele puxou um
canivete, bateu no alumínio, fez tim tim, bateu no carbono, fez tom
tom”.O som revelou que o tubo estava carregado. Foi o fim de uma bem-sucedida carreira de 25 anos no narcotráfico.
Marco ainda conseguiu dar um desdobre nos guardas. Enquanto buscavam as
ferramentas, ele se esgueirou para fora do aeroporto, pegou um prosaico
táxi e sumiu – ajudado pelo fato de falar fluentemente a língua bahasa.
Estava com tudo pronto para escapar no iate de um amigo milionário, mas
aí azar pouco é bobagem. Um passaporte frio que ele tinha foi queimado
por um cúmplice que também fugia da polícia.
Depois de 15 dias
pulando de ilha em ilha no arquipélago indonésio – estava tentando
chegar ao Timor do Leste –, passou sua última noite em liberdade num
barraco de pescador, em Lombok.
Acordou cercado por um esquadrão policial, armas apontadas. Suplicou em bahasa, tiveram misericórdia dele.
Na cadeia esperando a execução, procurava levar seus dias na malandragem
carioca, na maior paz com os carcereiros, sempre fazendo piadas,
cozinhando-lhes pratos especiais.
Acabou pro Curumim? “Vou fazer tudo para continuar vivo e sair dessa”.