O contribuinte brasileiro que paga em dia seus impostos – elementar obrigação cidadã – ganha, com inconveniente frequência, motivos para se julgar no papel de otário. Esse constrangimento afeta a todos. As pessoas físicas que trabalham no mercado formal não têm como fugir das mordidas do Leão no contracheque nem das pesadas alíquotas dos impostos escondidos nos preços de praticamente tudo que consomem.
A carga tributária retira da sociedade brasileira mais de um terço de tudo o que ela produz e é de se imaginar a enorme vantagem que o sonegador leva em relação ao negociante que cumpre sua parte na relação com o Estado. Mas isso não é tudo. A demagogia e a irresponsabilidade têm se esmerado em criar programas especiais que perdoam o imperdoável uma, duas ou quantas vezes for da conveniência do mau pagador. O resultado é que, no paraíso das impunidades, o sonegador brasileiro sabe que muito pouco ou quase nada vai penar e, pior ainda, além de continuar tocando seus negócios movidos a escusos privilégios tributários, pode acabar sendo premiado.
O último desses golpes contra o dinheiro público não demorou nada para mostrar a que veio. Trata-se do chamado Refis da Crise, uma farra aprovada em sessões noturnas e simbólicas do Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula em 2009. O projeto original tinha o inocente propósito de facilitar a quitação de dívidas com o Tesouro Nacional vencidas até 2005. Os parlamentares estenderam esse prazo para dezembro de 2008 e tiveram a generosidade de aprovar o parcelamento em 180 meses, ou 15 anos. E, já que se tratava do chapéu alheio, ou seja, do povo, por que não ir além? Incluíram um desconto de 60% das multas, além de correção monetária do saldo pela Taxa de Juros de Longo Prazo, a mais baixa do mercado, exclusiva do BNDES para financiamento de ativo fixo. Apesar de tudo isso, dados recentes da Receita Federal informam que, depois dos primeiros recolhimentos, que, aliás, provocaram impactos comemorados na arrecadação, em pouco mais de um ano, nada menos do que 60% dos optantes pelo Refis da Crise já foram excluídos do programa por terem mantido seus velhos hábitos de inadimplência.
Do total da dívida desses contribuintes, estimada no início do programa em R$ 1 trilhão, apenas R$ 14,3 bilhões entraram nos cofres da União, nada mais do que 17,3%. Enquanto estiver em dia com as prestações do Refis, o contribuinte é considerado em dia, condição que perde ao voltar a deixar de pagar. Mas os sonegadores novos e antigos não têm com que se preocupar. Eles continuam apostando na tradição brasileira de tratar mal quem paga em dia – cada vez mais apertados pela fiscalização e sobrecarregados pelos tributos e pelo cipoal de obrigações fiscais – e aliviar os espertos. Já estão tramitando no Congresso novos projetos de parcelamentos. O do deputado Nilton Capixaba (PTB-RO), por exemplo, perdoa 100% das multas e parcela o saldo em 15 anos, de todos os débitos tributários com o Tesouro Nacional, vencidos até 31 de janeiro de 2010. Mesmo o sonegador menos experiente sabe que não vai custar nada aumentar esse prazo para 30 de novembro, caso Suas Excelências resolvam aprovar esse papai noel antes do Natal.