Constituição Federal
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (...)
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...)
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;"
Destaques
TJDFT
Direito à saúde – cirurgia de mastectomia bilateral – processo de transexualizacão – não comprovação da abertura de processo administrativo – observância da prioridade dos demais pacientes
“3. O Estado deve garantir a todos os cidadãos a assistência à saúde (CF, artigos. 6º, 196 e ss. c/c Lei Orgânica do Distrito Federal, art. 204 e ss.). Todavia, a intervenção judicial deve ser limitada, já que imposição de prioridades implica na preterição de todos os demais pacientes que se encontram na mesma situação que a recorrente. 4. Atualmente, o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde é regulamentado pela Portaria n. 2.803 de 2013, e nele constam diretrizes a serem adotadas pelo Poder Público, além de informações acerca dos estabelecimentos aptos a proceder com este tipo de procedimento cirúrgico pelo Brasil. 5. Consta na inicial que o autor não se identifica com o sexo feminino e em maio de 2017, iniciou sua transição hormonal, sendo acompanhado pelo ambulatório de Endocrinologia do HRT (SESDF) e pelo ambulatório de psicologia especializado no atendimento de pacientes com disforia de gênero do Hospital Universitário de Brasília (HUB/UnB). O demandante fez uso de medicações hormonais. Além disso, foram realizadas diversas consultas para acompanhamento psicológico em que foi abordado o intenso desconforto e sofrimento vivido pelo autor decorrentes de situações de exclusão e de violências transfóbicas. Deste modo, necessita realizar a cirurgia de mamoplastia masculinizadora para que, somada ao tratamento hormonal, seja possível minimizar os danos psicológicos sofridos, relatório no ID 40925673. Não obstante, verifica-se que o referido relatório não menciona qualquer caráter de urgência ou risco de vida na realização do procedimento cirúrgico. Existe pedido para realização de mastectomia, de ID 40925673 - Pág. 3, datado 2019. 6. No caso dos autos, consta que foi informado pelo RTD da Cirurgia Plástica (ID 40925706) que "(?) apesar do SUS oferecer tratamento eletivo de resignação sexual a SES/DF não disponibiliza nos seus hospitais esse tipo de cirurgia, pois apesar de contar com serviço de cirurgia plástica no HRAN /HRT/ HRS esses profissionais não contam com treinamento em procedimentos de transsexualização, além de que esses serviços contam com grande demanda reprimida em diversas patologias como cânceres de pele, reconstruções mamárias, tratamento de escaras e outras. Sendo assim, as demandas por cirurgias de resignação sexual devem ser judicializadas. (...) O usuário em questão tem como direito a inscrição no programa de Tratamento Fora do Domicílio, (...)" 7. A questão é lamentável, de um lado o autor que necessita da cirurgia e de outro um Sistema de Saúde com insuficiência de recursos para o pronto e integral atendimento dos que sofrem, de modo que não pode o Poder Judiciário ignorar a regulação existente, especialmente porque, inexistindo a comprovação da mora administrativa, ou fatores emergenciais para a realização imediata do procedimento cirúrgico, incabível permitir que ocorra preterição aos demais usuários do sistema público de saúde, que, igualmente, gozam dos mesmos direitos.”
Acórdão 1660824, 07074332220228070018, Relatora: GISELLE ROCHA RAPOSO, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 6/2/2023, publicado no PJe: 14/2/2023.
Fornecimento de fórmula alimentícia à criança – necessidade de aquisição de marca específica – fórmulas nutricionais diversas ineficazes
“1. Comprovada a necessidade de procedimento médico à parte demandante, é dever dos entes públicos o fornecimento, garantindo as condições de saúde e sobrevivência dignas, com amparo nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal. 2. A legislação impõe ao Distrito Federal a obrigação de dar atendimento médico à população, assegurando aos hipossuficientes, entre outros, o direito à assistência necessária a uma vida minimamente digna. 3. Restando demonstrado nos autos a essencialidade da fórmula alimentícia à criança, é imprescindível o seu fornecimento quando embasado por relatórios médicos contendo a descrição de ser indispensável ante o iminente risco à saúde da infante. 4. Na hipótese dos autos, não procede o argumento do Distrito Federal quanto ao direito à saúde não conduzir a direito a um determinado produto de uma determinada marca, isso porque, tal sustentação não constitui motivo idôneo a obstar o fornecimento da fórmula nutricional ao paciente, nos termos do art. 207, inc. XXIV, da Lei Orgânica do Distrito Federal e art. 196 da Constituição Federal. 4.1. Cabe destacar que a médica responsável pelo tratamento da requerente/apelada, indica expressamente que houve a tentativa de inserção de outras dietas com alimentos similares ao Neocate, porém somente este complexo de aminoácidos livres acarretou a resolução e recuperação de curva ponderal da recorrida. 5. Cabe esclarecer que a hipótese dos autos não pode ser confundida com casos em que, por preferência, é exigida marca específica, pois, o pedido da fórmula de aminoácidos livres (Neocate) mostra-se fundamentado, conforme disposto no Relatório Médico acostado ao autos, e constitui-se como produto adequado para o caso em questão, já que, consoante relatado pela médica assistente, foi realizada a tentativa de troca para Alfamino, disponibilizado pela Secretária de Estado de Saúde do Distrito Federal, porém a infante não apresentou melhoras, com evolução de Proctite e sérios sintomas de alergias quando do uso da proteína do leite da vaca.”
Acórdão 1641147, 07026404020228070018, Relatora: GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 16/11/2022, publicado no PJe: 26/11/2022.
Fornecimento de medicamento padronizado pelo SUS – prescrição de tratamento fora das indicações da bula (off label) – disforia de gênero – bloqueio puberal – falta de regulamentação de políticas públicas para pessoas transgênero
“3. As Portarias n.º 2.836/2011 e 2.803/2013 do Ministério da Saúde contêm previsão legislativa para o desenvolvimento de políticas públicas em saúde integral voltadas à população com incongruência de gênero ou transgênero. Todavia, até o momento, enfrenta-se a absoluta inexistência de regulamentação específica de protocolos clínicos editados pelo Ministério da Saúde, pelos órgãos do SUS, pela CONITEC ou pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). 3.1. Trata-se, na realidade, de omissão normativa específica para a concretização de uma política pública de saúde que já está prevista pelo Ministério da Saúde desde o ano de 2011 para ser executada por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS). 3.2. A regulamentação mais específica da matéria ocorreu a partir da edição e publicação da Resolução 2.265, de 20/09/2019, do Conselho Federal de Medicina, a qual dispõe sobre o cuidado específico e a atenção integral à saúde da pessoa com incongruência de gênero ou transgênero. 3.3. A Resolução 2.265/2019 do CFM prevê, no art. 9º, §2º, o bloqueio hormonal com vistas à interrupção da produção de hormônios sexuais, impedindo o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários do sexo biológico pelo uso de análogos de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) a partir do estágio puberal Tanner II (puberdade), que ocorre dos 9 (nove) aos 14 (catorze) anos de idade no sexo masculino 4. No caso, trata-se de adolescente de 14 (quatorze) anos de idade, que se identifica sob o sexo feminino desde os 5 (cinco) anos de idade; recebeu nome social do gênero feminino; tem vivido intenso sofrimento psíquico e vulnerabilidade social diante da vida escolar e social em adição à transição física típica do período de puberdade em adolescentes, o que se agrava pela condição especial de não se reconhecer no gênero biológico. (...) 6. Como aponta a nota técnica do NATJUS, o fármaco Triptorrelina se destina à "supressão da puberdade, com retardo no surgimento de caracteres sexuais indesejáveis para o adolescente transgênero, com melhores resultados físicos e psicológicos quando iniciado nas fases púberes iniciais" (ID 26640538 - Pág. 4), que é precisamente o efeito farmacológico desejável pela equipe que assiste a paciente em questão, a inibição da puberdade, em vista da condição especial de gênero que deve receber assistência especial em saúde. 7. Não havendo vedação legal para a prescrição de medicamento em uso off label, é possível o deferimento do pedido de medicamento quando evidenciada a sua eficácia para o tratamento da paciente e a segurança, sabendo-se ser totalmente reversível o quadro de inibição de hormônios sexuais a partir da interrupção do uso do fármaco. 8. Em conclusão, merece deferimento o uso off label da Triptorrelina, medicamento padronizado no âmbito do SUS, enquanto houver essa lacuna de protocolo medicamentoso específico para adolescentes com incongruência de gênero que, embora não seja uma doença ou patologia, merece o cuidado do sistema de saúde público."
Acórdão 1421631, 07128470620198070018, Relator: Roberto Freitas Filho, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 5/5/2022, publicado no PJe: 17/5/2022.