O Brasil está se tornando um país intolerante? Ou a intolerância de uma minoria apenas ficou mais visível graças ao poder da internet e redes sociais, em que as opiniões se disseminam com uma velocidade impressionante? Difícil dar um veredicto preciso. Mas se levarmos em consideração os mais recentes episódios a aposta é de que seja falsa a imagem, disseminada mundo afora, de que o Brasil é uma nação de todas as raças, cores e credos.
Nos últimos dias o país assiste a uma escalada de preconceito contra mulheres, negros, gays, moradores de rua, nordestinos e “gente diferenciada”, um eufemismo para pobre, usado por uma moradora de Higienopólis, um bairro paulistano de classe alta , contrária à construção de uma estação de metrô no local. É que o transporte de massa mais usado e almejado no mundo todo, na visão dessa moradora, iria atrair para o local esse “tipo de gente” que uma parte da elite intolerante quer ao seu lado apenas para servir de babá, porteiro, motorista, faxineiro.
Acuados pela repercussão negativa do caso, principalmente na internet, moradores de Higienopólis disseram ter sido vítimas de bullying. Puro escapismo. Ninguém é contra quem tem dinheiro. Ser rico não é problema. Ser pobre, nordestino, gay, feia também não é. Pelo menos não deveria ser.
Só que no Brasil de hoje homossexuais são discriminados e perseguidos, até mesmo dentro do Congresso Nacional, onde, por princípio, deveriam ser protegidos de maneira exemplar. Nas ruas então nem se fala. Todo dia, em alguma parte do Brasil, alguém é agredido, assassinado ou espancado por causa da opção sexual. Difícil acreditar, já que essa é uma escolha de foro estritamente íntimo, ou seja, ninguém tem nada com isso.
Inconcebível também aceitar casos como o ocorrido no fim de semana do Dia das Mães, depois que o Ceará tirou o Flamengo da Copa Brasil. O fato desencadeou uma onda de comentários preconceituosos contra nordestinos, muitos impublicáveis, tal grau de ferocidade e incitação à violência. Não foi a primeira vez. No dia da eleição da presidente Dilma Rousseff, que é mineira, uma avalanche de comentários contra nordestinos tomou conta da internet. Tudo porque além de ter um nordestino como principal cabo eleitoral, o ex-presidente Lula é pernambucano, Dilma teve uma vitória esmagadora na região. Esse não é um preconceito novo, mas velado que, por obra da internet, anda mostrando sua cara.
Outra forma de discriminação que anda dando o ar de sua graça, ou melhor desgraça, é o sexismo. O humorista do CQC Rafinha Bastos defende em seus shows pelo Brasil o estupro de mulheres feias. Sob o manto do humor, disse que as feias deveriam agradecer e não dar queixa. De tão inaproriada e infeliz, essa imbecilidade dispensaria comentários se não tivesse sido feita por uma pessoa apontada como uma das mais citadas e comentadas do twitter no mundo. Por isso foi respondida à altura, por meio de uma nota, divulgada pela Secretaria Nacional de Política para Mulheres. “Estupro é crime hediondo e não requer, em nenhuma hipótese, abordagem jocosa e banalizada.” Outro que pisou na bola ao se referir ao sexo feminino foi o cantor Ed Motta. Pela internet, disse que mulher feia tem de ser competente ou bonitona para ter sucesso na vida. Vendo a bobagem, tentou se desculpar e disse que o comentário era apenas uma brincadeira entre amigos. Mas nessa brincadeira deixou escapar outro comentário preconceituoso, que muitos já devem ter ouvido ultimamente nos aeroportos. Segundo ele, o lugar hoje do Brasil que mais tem gente feia são os aeroportos. É que antes aeroporto era lugar de gente de posses e rodoviária de pobres . Hoje os brasileiros de todas as classes viajam mais de avião do que de ônibus. É que essa gente “feia” e “diferenciada” que, graças à melhoria de renda do brasileiro e da economia do país, anda mesmo provocando um certo desconforto e revelando conflitos até então escamoteados.
Deve ser esse mesmo incômodo que os feios causam ao cantor Ed Motta que levou um morador de Belo Horizonte a envenenar com chumbinho (nome popular de um veneno usado para matar ratos) um grupo de moradores de rua que se abrigavam em uma praça, em um bairro da Zona Norte da capital. Não se sabe ainda quem é o autor de tal barbárie, mas não causará nenhum espanto se for um pacato morador do bairro, incomodado com esse “gente diferenciada” que enfeia as redondezas de sua casa. Nessa toada, não custa questionar: aonde vamos parar ou que País é esse?