Por Patrik Granja
Na última semana, a cidade parou diante de mais um fuzuê do tráfico varejista de drogas. Como em várias ocasiões passadas, bandidos queimaram veículos e atacaram viaturas e cabines da polícia. Prontamente, o monopólio dos meios de comunicação e a classe média reacionária clamaram por repressão, por ‘resposta’. Nesses melancólicos dias, a ocupação militar ao Complexo do Alemão ganhou proporções cinematográficas, no que alguns ousaram chamar de Tropa de Elite 3, referindo-se às imagens das matanças protagonizadas pelo camaleão capitão Nascimento, dessa vez, transmitidas ao vivo pelas lentes dos ‘urubus’ da notícia, da mídia policial. No momento em que a Globo mostrou, em tempo real, centenas de bandidos fugindo, desordenadamente, da Vila Cruzeiro em direção ao Complexo do Alemão, comentaristas da emissora ligavam para comandantes da PM, ao vivo, cobrando uma atitude enérgica.
As imagens, utilizadas pela Globo para aterrorizar o mundo, davam conta de cerca de 300 traficantes, armados com fuzis de grosso calibre e outras armas, deslocando-se pela mata, no alto da Serra da Misericórdia, cada um por si e deus por todos, sem organização, liderança, calma; nenhuma referência ao tal ‘exército do tráfico’, em disputa territorial, na tal ‘guerra contra a polícia’ pôde ser percebida. Apenas um bando de ladrões de galinhas, apavorados com o aparato mobilizado pelas forças de repressão desse legítimo Estado fascista. Logo que chegaram à favela da Grota, segundo relatos de moradores do Complexo do Alemão, os traficantes fugiram em desespero pelas estreitas tubulações de esgoto e, os que ficaram, rapidamente, procuraram por um esconderijo.
No domingo, dia 28 de novembro, atendendo aos apelos dos que assistiam ao ‘show’, seguros, enfornados em seus resguardados condomínios, mais de 2 mil agentes do Estado burguês — entre PMs, policiais civis e militares das forças armadas — invadiram o conjunto de favelas do Alemão, arrombando casas, no que o relações-públicas da Polícia Militar, coronel Lima Castro, afirmou, ao vivo, no estúdio do telejornal RJTV, ser um mal necessário. “Nesse momento, os moradores têm que ter paciência, pois os policiais vão revistar casa por casa”. Em entrevista ao jornal Correio Brasiliense, o morador da Vila Cruzeiro, Ronai Braga, denunciou a invasão de sua casa por policiais, que destruíram móveis e eletrodomésticos e roubaram cerca de 30 mil reais, economias de 8 anos de trabalho, segundo Ronai.
Eu, Patrick Granja, repórter do jornal A Nova Democracia, estive no Complexo do Alemão, no limite de acesso permitido pelos militares, e vi moradores vítimas da indiferença das polícias; blindados da marinha, misteriosamente, entrando nas favelas, vazios, e saindo direto em direção ao 16° batalhão. O que havia neles? Corpos? Em determinado momento, moradores desciam o morro do Alemão balançando panos brancos para não serem alvejados, e um dos policiais que observavam a descida, como mostra o vídeo abaixo, disse: “Tá descendo morador. Morador é o caralho!”. Sem um alvo aparente, a todo o momento, policiais disparavam rajadas de fuzil de grosso calibre em direção aos frágeis barracos do morro da Baiana e riam em seguida, visivelmente despreocupados.
O Complexo do Alemão, nos últimos anos, foi considerado pelo IBGE o bairro dono dos piores Índices de Desenvolvimento Social (IDS) do Rio de Janeiro. Calculado pelo Instituto Pereira Passos (IPP), o cálculo mede o acesso da população ao saneamento básico, à habitação, à escola e ao mercado de trabalho. Segundo os dados, nas 14 comunidades do maior complexo de favelas da cidade, 15% das residências não contam com rede de esgoto; 36,43% dos chefes de família têm menos de quatro anos de estudo; um em cada 11 moradores com mais de 15 anos de idade é analfabeto; na faixa etária entre 15 e 17 anos, 11,37% das meninas já são mães; 60,55% dos trabalhadores ganham, no máximo, dois salários mínimos; na faixa etária dos 15 aos 17 anos, 27,83% dos jovens não frequentam a escola; e por aí vai.
Os 308 hectares das 14 favelas do Complexo do Alemão — consideradas um só bairro desde dezembro de 1993 — não são apenas um reduto do tráfico varejista, mas também um reduto da pobreza. Sedentos de sangue dos pobres, os reacionários da imprensa burguesa, esbravejam que a mega-operação das tropas do Estado é um marco na história do combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. E as dezenas de fuzis e equipamentos vendidos a esses confusos traficantes varejistas, todos os dias, por policiais, militares do exército e outros cães das tropas do Estado? E as visitas diárias de PMs do 16° batalhão ao conjunto de favelas do Alemão para a sagrada coleta do ‘faz-me rir’, do ‘arrego’, da propina? Muitos podem afirmar que os que defendem os direitos humanos, os ‘advogados de bandidos’, estão tristes por conta da ‘brilhante’ ação do braço armado das classes dominantes; sem mortes, apenas prisões. Verdade seja dita: os episódios da última semana revelam a retórica do poder da comunicação. A capacidade do monopólio da imprensa de forjar uma opinião, de manipular as massas e fazê-las acreditar que a pobreza, a marginalidade, são problemas de polícia.
A realidade escondida por trás dessa cortina de fumaça revela um mundo onde muitos trabalham pela amarga sobrevivência, ao tempo em que uns poucos apreciam o bom, o melhor, de pernas para o ar. Os mesmos que intimidam as massas com arrochos salariais, seguidas flexibilizações dos direitos dos trabalhadores, opressão ferrenha aos camponeses pobres, estudantes e operários e criminalização ininterrupta da pobreza e dos movimentos democráticos e progressistas. Esses, num dia que está por vir, amargarão a insurreição, o levante dos que trabalham contra os que exploram. Engolirão a seco as fileiras de trabalhadores insurretos, insatisfeitos e dispostos a fazer dessa sociedade, uma sociedade igual para todos. E nesse dia, nessa era, o povo assaltará os céus, deixando para trás apenas a lição capitalista de como funciona uma desumanidade, suas mentiras e seu sórdido rastro de charlatanice.