Publicação: 05/09/2011 04:00
A disputa em torno da regulamentação da Emenda Contitucional 29, que trata de mais recursos para a saúde, trafega numa zona de sombra. Sabe-se que os políticos discutem se devem, e como, dar mais dinheiro para o setor. Só.
Falta esclarecer os detalhes mais importantes. O primeiro deles é quanta verba o Sistema Único de Saúde (SUS) demanda para funcionar bem. Ninguém diz. A EC 29 regulamentada terá resolvido os problemas de financiamento do SUS?
Provavelmente não. E a eventual Contribuição Social da Saúde (CSS), a substituta da finada Contribuição “Provisória” sobre Movimentação Financeira (CPMF)? Será que a arrecadação com o novo “imposto” maquinado pelo governo tapará o buraco?
Evidentemente não.
Falta um número preciso, mas é certo que com alíquota menor a CSS arrecadará menos que a CPMF trazia para os cofres do governo. E mesmo com a CPMF o serviço já sofria de fraqueza de recursos. É a simples aritmética.
Outra dúvida é se a verba da CSS será complementar ou substituirá o que hoje o governo coloca na saúde. Se for a segunda opção, a CSS terá servido não para vitaminar o setor, mas para o Planalto realocar dinheiro para outras coisas.
A CSS será apenas formalmente para a saúde. Na prática, ao liberar dinheiro que ia para a saúde, ajudará o governo no esforço fiscal ou servirá para outras despesas de custeio. Ou para outros investimentos.
Seria cruel. Inclusive porque a presidente da República diz que a nova verba para a saúde virá carimbada. Mas nada adianta carimbar se junto virá o descarimbamento de outras verbas.
A saúde lidera todas as pesquisas de demandas do eleitorado. Não discuto se o serviço é bom ou ruim. Há algum preconceito remanescente contra o SUS. Os levantamentos entre os usuários apontam avaliação bem acima do que na população em geral.
Quem usa o SUS tem sobre ele opinião bem melhor do que quem não usa.
Mas mesmo assim a saúde encabeça a ansiedade popular por um Estado mais eficiente. E aqui chegamos ao pulo do gato.
Todos os políticos querem ostentar no currículo terem feito algo pela saúde. Votada a regulamentação da EC 29, a Câmara dos Deputados e o Senado poderão dizer que fizeram a parte deles.
E se mais não ofereceram, foi porque o governo não pediu.
A saúde melhorará? Há controvérsias, mas se não melhorar, mesmo com verba adicional, a culpa já terá deixado de bater ponto nos salões verde e azul. O Parlamento, desta vez, não poderá ser responsabilizado.
Daí também por que o governo manobra contra aprovar a regulamentação da EC 29, e um dos expedientes é colocar na sala o bode da CSS. Claro que se colar, colou. Governo nenhum relama de arrecadar mais.
Mas com a introdução da CSS na pauta o governo reserva-se também um expediente para embolar o meio de campo, bagunçar a discussão, impedir que os deputados e senadores repassem o ônus político ao Planalto com tanta facilidade.
É, portanto, na essência, uma dança política. Para não ficar só na politicagem, o debate precisaria de mais transparência, de números mais honestos.
O brasileiro acostumou-se a ficar aninhado numa contradição insolúvel: pede ao Estado que assuma a responsabilidade por preencher as demandas da sociedade, mas não aceita que o mesmo Estado cobre da sociedade os impostos indispensáveis para tal.
Sobra então o teatro. E Brasília hoje em dia assiste ao teatro das “verbas para a saúde”. Seria apenas mais uma farsa política, não embutisse a crueldade de acenar com ilusões que amanhã se transformarão em decepções.
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