quarta-feira, 10 de novembro de 2010
É dando que se recebe
Grupos empresariais investiram em campanhas de parlamentares integrantes das comissões temáticas da Câmara ligados aos seus ramos de interesse. Deputados negam troca de favores
Alvos de intenso lobby, deputados federais que integram as comissões temáticas permanentes da Câmara foram patrocinados na campanha por setores com interesse direto em suas decisões. Coincidência ou não, a prestação de contas das eleições 2010 revela que empresários investiram na campanha de parlamentares que têm nas mãos poder maior de influenciar suas áreas de atividade. Para cientistas políticos, a opção pode encobrir uma expectativa de “troca de favores” e levanta a discussão sobre o financiamento público de campanhas.
As comissões têm o papel de discutir e votar as propostas de leis que são apresentadas à Câmara. Seus integrantes se manifestam emitindo opinião técnica sobre o assunto, por meio de pareceres, antes de o assunto seguir para o plenário. Em alguns casos, eles decidem, aprovando ou rejeitando, sem a necessidade de as propostas passarem pelo plenário. Um dos exemplos mais emblemáticos de investimento de empresários em campanha por área de interesse passa pela cobiçada Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Em julho, o grupo atraiu holofotes de todo o país ao aprovar a reforma do Código Florestal. Entre outras, o projeto perdoa multas de quem desmatou até julho de 2008. Enquanto ambientalistas protestaram contra a decisão, ruralistas comemoraram. Empresários da agroindústria investiram quase R$ 1,3 milhão nas campanhas do presidente da comissão, Jorge Khoury (DEM-BA), do segundo vice-presidente, Marcos Montes (DEM-MG), e do terceiro vice-presidente, Paulo Piau (PMDB-MG).
Só a empresa Boiaves Comércio e Indústria de Carnes investiu R$ 292 mil na campanha do deputado federal reeleito Paulo Piau. Para o parlamentar, que pretende continuar na Comissão de Meio Ambiente, não há pressão por favor em troca do financiamento. “Quando a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) me apoiou, perguntei a eles o que queriam de mim em troca. Eles responderam que não queriam nada mais que estabilidade e segurança e que não deixasse o parlamento descuidado. Com os agropecuaristas é exatamente a mesma coisa. Não há nenhum outro compromisso. Sou ligado ao setor produtivo e nada mais justo que eles me financiem”, diz Piau, defendendo que os ruralistas são tachados como vilões pelo atual Código Florestal, mas são vítimas de uma lei atrasada.
O deputado federal reeleito Marcos Montes também nega qualquer tipo de favorecimento. Entre outros, ele recebeu o financiamento de R$ 100 mil da empresa Agroesporte. “Temos uma missão muito importante na Comissão de Meio Ambiente que é aprovar a reforma do Código Florestal, que segue agora para plenário. Os produtores rurais são crucificados pelo atual. Mas não há qualquer tipo de pedido dos grupos que me financiam. Acho natural campanhas serem financiadas por grupos empresariais que acreditam no trabalho daquele deputados. Não é troca de favor.”
Relação Já o cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis acredita que há relação direta entre investimento de campanha e interesse na atuação legislativa. “É difícil esperar que o financiador não tenha nenhum interesse em troca da ajuda. A expectativa é de intercâmbio de favor. É justamente por isso que sou a favor do financiamento público de campanha. É um modelo que até não consegue inibir completamente o caixa 2, mas precisamos experimentar. Não há como continuar com o sistema que permita tamanho lobby entre parlamentares e empresas”, comenta.
Não são apenas os integrantes da Comissão de Meio Ambiente que recebem financiamento de empresas na área. Parlamentares da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática também receberam doação de grupos da área. O deputado federal reeleito Júlio Semeghini (PSDB-SP), primeiro vice-presidente da comissão, recebeu, entre outros, R$ 42 mil da EPT Engenharia e Pesquisas Tecnológicas e R$ 50 mil da Global Village Telecom.
Já o deputado federal Silas Brasileiro (PMDB-MG), que não conseguiu novo mandato, despertou o interesse de empresas da agroindústria como o terceiro vice-presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Ele recebeu R$ 266 mil de cooperativas de agropecuaristas.
Na Comissão de Minas e Energia um dos principais focos de investimento de empresas do setor foi seu segundo vice-presidente, o deputado federal reeleito Alexandre Santos (PMDB-RJ), que recebeu R$ 50 mil do Posto de Gasolina King Kong e R$ 30 mil da Votiner – Votorantim Comercializadora de Energia. Já o segundo vice-presidente da Comissão de Turismo e Desporto, o deputado federal Marcelo Teixeira (PR-CE), que não foi reeleito, recebeu R$ 175 mil de agências de turismo e empreendimentos hoteleiros.
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